26 outubro 2008

Desgutável Profundidade


As correntes de chuva que caem do céu tão incontroláveis me indicam as torrentes que me aguardam, escorrendo a inquietude de mim mesma. Gotículas me apressam os gestos, procurando achar os restos do que lá me encontra, sem afogar. Pois dos fragmentos todos, eu poderia engoli-los na proa de minha língua, respaldos que fazem em mim uma viagem, e percorrem, tudo pelo Todo. Se não me separo é por que vivo por inteira, e a matéria do céu tende a ser minha cegueira. Entre a luz e o acinzentado, minha paleta revela-se frágil ao que ataca-me dividindo. As flores no jardim revelam-se tão murchas, tolas pelo espaço sem a consideração de sua pureza, a relevância dos valores.O turbilhão que me corta é o espaço entre meus significados, e, abarrotados de vazio, a correnteza soa violenta, passando apenas o que quero esquecer. E sei que poderia lembrar, todo dia, pra transferir o que compete à felicidade.Hoje enquanto caminho, tremulo em cada passo pra assegurar-me de meu equilíbrio, e titubeando em cada olhar eu busco um novo ponto de referência, pra editar a aparência de meus olhos, a vista está cansada. O tempo engloba meu estado, e indica que a passagem é uma corrente que junta cada uma de minhas circunstâncias, para os sentidos e minha sensibilidade transformarem o que dentro do limite, há de ficar pra próxima fase.Despindo-me do que não suporto alivio o instante pra entorpecer o outro, e se houverem dúvidas, há pontos intocados.Minha reforma é descobrir-me, e no mar que intensifica-me na vastidão e no impenetrável eu me escureço pra na luz de uma prosperidade saber-me melhor, melhor; a recriação da fonte, é provocar o existente. Evidenciar-me das provas cheias de perigo é assegurar-me do que confio, a lealdade de um espírito é sofrer quando necessário, é sorrir no desespero pra chamar a calma, pra distrair o erro, conseguir acertar-me em cheio. Pois não é da ferida que tenho medo, mas da dor que me deixa cada vez mais rigidamente fraca pra interpretar o que sinto, e então minhas aberturas serão avalanches do desgosto. Mas não. Me colocarei à prova para descobrir o que me orienta quando preciso, e nas veias que fervilharem o sangue, eu irei acreditar.Das bordas que desenhamos criando caminhos com o que sentimos o cálice vazio pronto estava, para deixar-se ser preenchido pelo líquido de nós; jorramos tão fundo que ele transborda para bebermos agora, do que demos aos nossos dias, o nutrir de nosso essencial. Engasgados pelas palavras tantas, e o cansaço cheio de nós, temos provocado o bordô-sangue de crime, nossas gargantas cortadas pelo que nunca cumpriu-se sem tocar.Deixe a garganta arranhar nossos corpos com a profundidade do que jorramos com a certeza do real, nossas vidas são espelhos do que aqui trazemos, e enquanto o caminho não muda, nós teremos de aprender a caminhar noutros passos. O vidro corta pra abrir fendas que o translúcido nos acolhe, lambendo as feridas de um acidente proporcional.Degustemos de nós para a vida não espancarmo-nos com seus confrontos para renovar, a dor quando superada é a força para guiar, e nossas almas não esquecem. Sei de ti como o coração insiste em bater; da transparência toda entre cálices e gotas de chuva eu sei que encontro, pois sou frasco de cristal frágil e belo; teu aroma está espalhado em mim, e cada vez que gesticulo, te encontro. Tua voz abriu meus portais e me deixou nua, aberta para descobrir o que é Ser, e agora que vivo, não sei mais jorrar outro sopro. É a vida.
"(...) Para te escrever eu antes me perfumo toda.Eu te conheço todo por te viver toda. Em mim é profunda a vida. As madrugadas vêm me encontrar pálida de ter vivido a noite dos sonhos fundos. Embora às vezes eu sobrenade em um raso aparente que tem debaixo de si uma profundidade azul-escuro quase negro. Por isso te escrevo. Por sopro das grossas algas e no tenro nascente do amor.(...)"(Clarice Lispector em Água Viva)
Sou cheia de ti, e minha língua te acaricia sem condenar; saibas que meu hálito é tua linguagem, e das folhas novas que escrevemos por nossos dias todos, é só o Amor quem nos espera.Eu te conto. É tão profundo...
Long Road /Pearl Jam

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